quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O contágio da atrocidade

Poucos são os filmes desconfortáveis, que misturam reflexão e revolta. A Caça demonstra a tênue linha que separa o certo do errado. No filme do diretor dinamarquês Thomas Vinterberg a historia investiga lados distintos, mas concretos. Por isso, é um filme profundo e incômodo.

Na trama, um professor de escola infantil é acusado de forma injusta de abuso sexual por uma aluna de cinco. O filme se passa em um vilarejo da Dinamarca. A garota vive em um ambiente familiar conturbado e é exposta, de forma precoce, pelos irmãos adolescentes a imagens pornográficas. A aluna que também é vizinha do professor encontra nele o refugio necessário para preencher a sua vida. A criança cria uma fantasia. Porém, a partir injusta acusação de abuso sexual, muda completamente a rotina do professor.

A investigação escolar, conduzida pela diretora e psicólogo, induz a pequena a afirmar coisas. A conversa desastrosa comete equívocos. Se parte do pressuposto que houve o abuso e de que o sujeito é culpado. Como "crianças não mentem", a pergunta utilizada pelo psicólogo no filme é bastante tendenciosa: "É verdade que você viu o pipi de Lucas?”. Como a própria psicologia ensina, até o seis anos, a criança não distingui um engano intencional do faz de conta. A realidade infantil e a realidade para um adulto são diferentes.

Instala-se, assim, o inferno a vida do professor, mas ao mesmo tempo fica evidente que mesmo em sociedades ditas modernas existem dificuldades para lidar com a pedofilia. A opção foi enveredar pela exploração dos rumos que a histeria coletiva pode tomar. A partir das acusações, o professor passa a ser criticado, perde amigos e a atividade profissional e é proibido de entrar no comercio.

Evidente que o abuso sexual é a forma mais cruel de mal tratar uma criança. É ao mesmo tempo uma ação que fica oculta. Porem, a pequena mentira da criança, unida à violência instintiva gera toda uma injustiça, que no limite não tem culpados. Psicólogos e educadores afirmam que crianças pouco sabem das consequências do que dizem. Sigmund Freud cita que ocorre no grupo uma espécie de “contágio” que acaba por diminuir consideravelmente os interesses individuais.

As emoções se exaltam e verdades absolutas e maniqueísmo inibem dúvidas e incertezas. Assim, a realidade perde espaço para a ilusão. Conflitos ligados a possíveis desejos incestuosos reprimidos da massa social fazem do professor o bode expiatório. O filme não é moralista, mas é hábil por questionar as nossas crenças.

No Brasil, foi criada a Associação de Vítimas de Falsas denúncias de abuso sexual  para auxiliar pessoas tachadas de abusadores. Isto não significa duvidar ou negar auxilio à suposta vítima, mas é preciso levar em consideração um princípio básico de direitos humanos. Principio esse tão questionado no filme: a presunção de inocência. Do contrário repetiremos o erro da Escola Base ocorrido em São Paulo.

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