domingo, 29 de maio de 2016

Erva-mate: imaginário e perspectivas

Há uma visível tendência pela valorização e preservação das identidades regionais, mesmo com o intenso processo de globalização. A erva-mate representa uma dessas resistências culturais, sociais e econômicas imensurável aos países do cone sul americano. Se tivéssemos que eleger um símbolo incontestável e comum aos países do Mercosul, o eleito seria a erva-mate, que é justamente a matéria prima para o chimarrão ou mate, tererê e chá-mate. Muitas foram as contribuições bibliográficas e ao desenvolvimento cultural regional que a planta nativa da América do Sul tem proporcionado.

Estudar esse tema a partir da memória social da população, constitui um importante campo de análise para se compreender a formação de uma região. Mais do que conservar esse hábito centenário que é consumir a planta nativa da América do Sul, principalmente na forma de chimarrão ou tererê, novas perspectivas ganham forma para, inclusive, levar essa resistência sulista as demais regiões do mundo a partir de diferentes produtos.

As bebidas são itens que completam os cardápios dos povos. Elas têm funções fundamentais de representar as tradições gastronômicas das pessoas. É o caso do chimarrão, que é um precioso chá feito das folhas da erva-mate.  Repleto de história, tradição, costumes e traz estampadas as identidades culturais de muitos povos indígenas.

A riqueza da erva-mate foi registrada ao longo dos tempos em diferentes texto e por diversos atores, mas sempre ligados ao contexto histórico dos movimentos sociais e instituições. Os responsáveis pelo registro garantem visibilidade dos atores sociais que constituem a história regional. É nessa perspectiva que atua Thompson (2001), que afirma:

                                                              A transformação histórica acontece [...] pelo fato de as
                                                              alterações nas relações produtivas serem vivenciadas na vida                                                                 social e cultural, de repercutirem nas ideias e valores humanos                                                                e de serem questionadas nas ações, escolhas e crenças                                                                            humanas.

Novas interpretações históricas passam pela inclusão de atores sociais até então foram desconsiderados. O reconhecimento da multiplicidade de vias que nos definem como sociedade cria a chamada identidade a partir de uma perspectiva social. Esse espaço de relações é dinâmico, mas acima de tudo é um processo continuo de construção e desconstrução (MAHEIRIE, 1994).

Nos últimos anos, diversas áreas têm promovido pesquisas relacionadas a erva-mate. Muito se escreveu sobre a história da erva-mate (Ilex paraguariensis, Saint-Hilaire) no Brasil e nos países vizinhos. Debates foram feitos sobre os sujeitos sociais envolvidos, estudos culturais e manifestações folclóricas sobre o mate. Estudos ainda foram feitos sobre a qualidade dos solos, áreas de plantio, viabilidades econômicas e até mesmo sobre a qualidade do produto vendido ao consumidor. Porém, mais do que entender o processo histórico, faltam relatos que demostrem o momento atual da erva-mate; o seu reconhecimento, valorização nos diferentes estados brasileiros e países.

Toda sociedade é interligada por símbolos e mitos que estão presentes na sua história e mantém vivo o seu passado, presente e futuro. Isso é consequência dos principais eventos ou mesmo fatore que assinalaram o seu desenvolvimento. Esses símbolos se tornam parte do imaginário social da população, que mesmo não estando envolvido em determinadas ações históricas,  desenvolve um sentimento de pertencimento. O imaginário é um importante elemento das relações sociais, pelas quais são lançadas representações completas e integrais da sociedade e de cada indivíduo que nela atua. Além disso, o imaginário é um fator de inserção da atividade pensante individual em um fenômeno coletivo (FLAUSINO, 1999).

As sociedades determinam as suas identidades por meio do imaginário e constroem suas ideologias e utopias, mas também por símbolos, alegorias e ritos, expressões que podem tornar-se poderosos elementos de projeção de interesses, aspirações ou medos coletivos (CARVALHO, 1990). Assim, o imaginário cria um conjunto de imagens e conceitos que representam uma conjunto e que tem a capacidade de cunhar o real (PESAVENTO, 1999).

A construção desse imaginário passa ainda pelo desenvolvimento defestas, que são práticas culturais que definem as identidades das pessoas. É uma forma de celebrar e promover costumes ou atividades produtivas vinculadas ao lugar. São as fetas que articulam o tradicional e o moderno e constituem um espaço de circulação de bens materiais e simbólicos produzidos e apropriados por diferentes atores sociais.


O certo é que a erva-mate – e principalmente pelos tradicionais chimarrão, mate, tererê ou chá-mate - permite unir todos os povos irmãos e transpor fronteiras geopolíticas, conseguindo fortalecer os laços de amizade. A erva-mate facilita a renovação dos valores mais nobres herdados de nossos antepassados ​​que já cultivavam essa planta no cone sul americano. Tudo isso habilita a erva-mate como símbolo maior da cultura produtiva do Mercosul.

Erva-mate: em busca do mundo 

A erva-mate é uma espécie de planta que possui grande importância econômica, cultural e ambiental para países, estados ou províncias e mesmo municípios. Com o ressurgimento da importância econômica do mate, crescem as indagações para identificar os reais problemas com os quais, até o presente, têm convivido seus produtores, numa atividade que, até certo ponto, pode ser definida como artesanal. Para a elevação dos índices de produtividade da espécie são necessários estudos e pesquisas que forneçam respostas para a problemática que envolve a atividade ervateira. Produtos de melhor qualidade e melhor preço podem ser oferecidos à indústria, por meio aplicação de novas tecnologias. Para isso, são necessários conhecimentos ampliados da fisiologia e da ecologia da planta, das utilidades da medicamentosas, alimentícias e nutricionais do produto nativo da América do Sul.

A erva-mate pode ser considerada para inúmeras possibilidades, porém a literatura aponta que há necessidade de aprimoramento na qualidade dos seus produtos e na projeção das suas potencialidades. Um dos focos principais dos estudos sobre erva-mate envolve o conhecimento de compostos presentes em bebidas produzidas a partir da suas folhas, visto que nas últimas décadas o interesse por produtos com capacidade antioxidante apresentou elevado crescimento. Em relação às investigações que vinculam o consumo de produtos a base de erva-mate (Ilex paraguariensis) com a saúde foram verificados avanços nos últimos anos. Vários estudos demonstram os benefícios de substâncias presentes em extratos de erva-mate e suas ações como antioxidante, antiinflamatório, antimutagênico, agente antiglicação e redutor de peso. Entre os compostos conhecidos estão ácidos fenólicos, saponinas, xantinas, minerais e vitaminas (BRACESCO et al., 2003; MATSUMOTO, 2009; HECK E MEJIA, 2007; FILIP et al., 2010).

No Brasil ela é explorada de forma econômica em cerca de 486 municípios, engloba cerca de 180 mil propriedades rurais, que em sua grande maioria são tidas como produtores familiares. São cerca de 725 empresas processadoras e que juntos geral 710 mil empregos. A produção nacional está próxima a 450 mil toneladas ao ano que são industrializados. Os dados ainda mostram que 80% da produção brasileira de erva-mate é vendida ao mercado interno e restante é exportado para países como Uruguai, Chile, Alemanha e Estados Unidos (DA CROSE & FLOSS, 1999 e WINGE et al., 1996)
A classificação lIex paraguariensis se deve ao naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire; o termo paraguariensis talvez provenha de Paraguari, nome de pequena localidade do Paraguai, ou de Paraguaia, nome latino daquele país. Apesar da denominação paraguariensis, o próprio naturalista reconheceu em viagens posteriores a região, que a planta tem uma ocorrência muito maior no Brasil. Ter atribuído a nomenclatura da planta ao Paraguai se deve ao fato daquele país ter sido visitado por St. Hilaire antes do Brasil.

A área de distribuição natural da erva-mate (lIex paraguariensis St. Hil.) abrange uma área próxima a 540.000 km², compreendendo territórios do Brasil, Argentina e Paraguai. No Brasil a área cultivada corresponde a 450.000 km², o que representa cerca de 5% do território nacional. Já ao somar áreas do Paraguai e Argentina, a área fica ampliada para 540.000 km², o que abrange 3% do território da América do Sul (OLIVEIRA & ROTTA, 1985).

A erva-mate nativa é encontrada de forma preferencial entre 500 e 1500 metros podendo, contudo, ser encontrada em regiões situadas em altitudes acima ou abaixo destes limites, porém de maneira mais esparsa. Basicamente, a Ilex paraguariensis cresce espontaneamente em regiões constituídas por matas de Araucaria angustifolia e matas subtropicais úmidas do sul do Brasil. A erva-mate é uma espécie florestal com exigências ecológicas bem características que devem ser observadas por ocasião de plantios comerciais fora da sua área de dispersão natural.

A maior parte da literatura disponível sobre lIex paraguariensis menciona que a área mais volumosa estão no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. São ainda mencionadas áreas ligadas aos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Mas dados atualizados não mencionam mais a existência da planta nessas áreas, mesmo que de forma isolada. O que pode explicar que a citação da existência da erva-mate se deve ao fato da utilização indiscriminada da nomenclatura popular de congonha ou caúna às várias espécies do gênero lIex, que ocorrem nas regiões centro-brasileiras.

Por conta do desmatamento, expansão da fronteira agrícola junto com o aumento do consumo a erva-mate passou ser plantada e cultivada de forma natural (homogênea pura) ou em associação. A estimativa dos órgãos que representam o setor é de que 15 milhões de mudas de erva-mate são produzidas todos os anos na região sul. Embora mudas sejam produzidas a partir de ervais nativos, implementados e também sem critério nenhum de seleção.

Mais do que a variedade típica lIex paraguariensis, pesquisadores ainda descrevem a lIex paraguariensis varo vestita, conhecida popularmente como erva-mate peluda, com ocorrência em Minas Gerais, Paraná e São Paulo; e a lIex paraguariensis varo sincorensis, que foi relatada em Serra de Sincorá, na Bahia. Com isso, a variedade genética do germoplasma de erva-mate deve ser de fato grande (Resende et aI., 2000).

O produto oriundo de ervais nativos têm obtido preço melhor do que aquela proveniente de ervais à céu aberto, pois o consumidor tem preferido a nativa por proporcionar um sabor mais suave ao chimarrão. Porém, estimativas indicam que é possível produzir chimarrão de sabor suave em ervais solteiros, bem como plantas mais resistentes a pragas e a doenças, como também à queda de folhas, que pode diminuir em até 30% a produção de massa foliar. Por outro lado, o cultivo da erva-mate orgânica, sem o uso de agrotóxicos e de fertilizantes químicos, abre a perspectiva para a seleção de genótipos produtivos e menos exigentes em nutrientes minerais. A obtenção de novos produtos dessa espécie consiste, também, num importante segmento para novas pesquisas (STURION & MENDES, 1995).



Partindo do pressuposto de que o patrimônio histórico-cultural integra os sistemas simbólicos de determinada sociedade, monumentos e ações neste sentido demostram que estão intimamente ligados à luta de representações entre as elites locais.
Essas disputas simbólicas 2 constituem uma “teia de relações de poderinvisíveis 3”e de disputas pelo poder simbólico. Pierre Bourdieu (1989, p. 7-8) definiu o “[...]poder simbólico como o poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.”

Em outras palavras, o poder simbólico é o poder que atua na construção da realidade, criando consensos, fabricando verdades e discursos, semeando conformismos e legitimando as dominações vigentes. Portanto, são poderes que atuam no campo das representações sociais, particularmente nos sistemas simbólicos 4 .

Na sua acepção dicionarizada, a palavra patrimônio significa “herança paterna”ou “bens pertencentes à uma pessoa, uma família, uma instituição ou à coletividade”. No entanto, jáháalgum tempo o termo patrimônio vem sofrendo uma ampliação do seu termo.
Um símbolo é composto pela relação dos seus significantes (imagens, palavras...) e os seus significados (representações, significações). Nesse sentido, podemos caracterizar um monumento, uma estátua, um busto ou mesmo uma simples placa comemorativa como um significante

FLAUSINO, Márcia Coelho. A voz rouca das manchetes: como Veja mostrou os
Sem-Terras em suas capas. In: COSTA, Cléria Botêlho da; MACHADO, Maria Salete
Kern (Orgs.) Imaginário e história. Brasília: Paralelo 15, 1999.
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano –
Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1999.
OLIVEIRA, Y. M. M. de; ROTTA, E. Área de distribuição geográfica nativa de erva-mate (lIex paraguariensis St. Hil.). In: SEMINÁRIO SOBRE ATUALIDADE E PERSPECTIVAS FLORESTAIS, 10.: Silvicultura da erva-mate (lIex paraguariensis St. Hil.), 1983, Curitiba. Anais. Curitiba: EMBRAPA-CNPF, 1985. p. 17-36. (EMBRAPA-CNPF. Documentos, 15).
RESENDE. M. D. V. de; STURION, J. A.; MENDES, S. Genética e melhoramento da erva-mate (lIex paraguariensis St. Hil.), Colombo: EMBRAPA-CNPF, 1995. 33 p. (EMBRAPA-CNPF. Documentos, 25).
WINGE, H.; DA GROCE, D.; MAZUCHOVSKI, J .Z. Diagnóstico e perspectivas da erva-mate no Brasil. Chapecó. EPEGRI / UFRS / EMATER-PR, 1996. 27 p.
RESENDE. M. D. V. de; STURION, J. A.; MENDES, S. Genética e melhoramento da erva-mate (lIex paraguariensis St. Hil.), Colombo: EMBRAPA-CNPF, 1995. 33 p. (EMBRAPA-CNPF. Documentos, 25).
Thompson, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros estudos. Campinas, Edunicamp, 2001, p. 263. 20 Jorge Ferreira. “O nome e a coisa: o populismo na política brasileira”. In O populismo e sua história.
MAHEIRIE, Kátia. Agenor no Mundo: um Estudo Psicossocial da Identidade. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1994.

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